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segunda-feira, 31 de março de 2008

Um estilo próprio

Inclassificável, Maria Gabriela Llansol situa-se na fronteira do género e do estilo, sendo considerada um caso excepcional na literatura contemporânea.
Possuidora de uma escrita própria a que não chama de literatura, Llansol assola por completo os limites da escrita onde o fulgor se opõe ao verosímil, num diálogo entre a autora e o leitor.
A obra llansoliana é rizomática e intertextual, um território místico povoado por “hóspedes e peregrinos do texto”, figuras-personagem sem vida nem morte previsível, que não são necessariamente humanos mas sim o que se chama de existentes-não-reais: uma pedra, uma frase, um animal, uma planta, um pensamento são um SER passível de interagir com outras figuras que povoam e percorrem os seus livros, tais como, Nietzche, S. João da Cruz, Müntzer, Bach, Camões, Pessoa, Ana de Peñalosa e D. Sebastião, entre tantos outros.

A metamorfose do rei

Em Causa Amante, Maria Gabriela Llansol desmistifica a figura de D. Sebastião, O Desejado, que desapareceu em Alcácer-Quibir sem indícios certos da sua morte. Segundo reza a História, Portugal esperou pelo seu Rei e acreditou que este reapareceria por entre a bruma, crença que levou ao aparecimento de falsos D. Sebastiões e ao advento da quimera do sebastianismo, que ao modo celta faziam de D. Sebastião um Rei Artur à portuguesa, facto que serviu para demonstrar que o povo português, perante a crise, reage do mesmo modo que os outros povos: cria um mito que lhe traga a esperança necessária para enfrentar as adversidades.

Neste livro, Maria Gabriela Llansol gera um efeito de palimpsesto tal como é proposto por Gérard Genette: parte de uma escrita antiga, para, sobre ela, criar a nova escritura, recobrindo a anterior mas deixando entrever os traços da primeira. Nesse sentido, desconstrói o mito, esta esperança no eterno retorno.

Em Causa Amante, D. Sebastião reaparece, dá à costa completamente destroçado e é acolhido por um grupo de Beguinas, seres que viviam em comunidade e que tinham como função recolher e tratar os feridos que chegavam à praia. Este grupo de mulheres dedicava-se a trabalhos manuais, como tecer, fiar, escrever e ler, e a missões, como cuidar e assistir os doentes, mas as suas principais características são a facilidade em atravessarem a transcendência e o facto de engendrarem vida. São seres livres de pensamento e de acção que acolhem D. Sebastião completamente fragmentado e o cosem. A partir do momento que entra em contacto com a comunidade, esta figura é dessacralizada, despojada de todo o misticismo que a envolvia, primeiro perde a maiúscula do título de rei e depois entra num processo de metamorfose transformando-se em árvore, passando assim a ser tratado por “dom arbusto”.

O grande Leitmotiv de Causa Amante é o estilhaçar do mito sebástico, a recriação da figura de D. Sebastião enquanto figura representativa da história de Portugal que, juntamente com Müntzer e S. João da Cruz forma o triângulo da liberdade de espírito. Um ser que entra em mutação e passa do rei encoberto pela neblina a uma árvore, metáfora da vida em permanente construção onde a esperança no renascer é uma constante.


Bibliografia:
FONSECA, António Belard da.1978. Dom Sebastião. Lisboa: [s.n.]
O Sebastianismo: breve panorama dum mito português. 1978. Lisboa: Terra Livre
AZEVEDO, J. Lúcio de. 1984. A evolução do sebastianismo. Lisboa: Presença
GENETTE, Gérard.1982. Palimpsestes. Paris: Seuil

quarta-feira, 26 de março de 2008

Um país (amante)

«Durante anos, em Lovaina, em Jodoigne e, depois, em Herbais, um pouco antes do fim da tarde, a Maria Gabriela lia-me o que, nesse dia, escrevera. Escrevia quase todos os dias. Sobretudo, em Herbais, a partir de 80, onde vivíamos social e geograficamente muito isolados, essa leitura era um bálsamo e uma inquietação. Primeiro, era belo «et bien levé». Segundo, eu podia identificar o referente inicial. Terceiro, a partir daí, o texto andava por onde eu não estava, nem, provavelmente, jamais estivera. Muitas vezes, a Maria Gabriela acendia velas pela casa. Fazia-se silêncio, ainda maior do que o habitual silêncio da aldeia, cão e gatos paravam de mexer, ela lia e eu ouvia. Havia, tantas vezes, uma nostalgia tão forte, ou, mais raramente, páginas de uma negra depressão mas, quase sempre uma escrita de tal modo ampla que literatura, experiência e experimentalismo literários, a vida e o pensamento, em suma, iam ficando para longe. E, naquele país plano, não é difícil ter a noção do que é longe.»


Posfácio de Augusto Joaquim em Causa Amante


segunda-feira, 24 de março de 2008

A chave de ler


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“Não há literatura.
Quando se escreve só importa saber em que real se entra,
e se há técnica adequada
para abrir caminho a outros.”


Maria Gabriela Llansol
Um Falcão no Punho. 1998. Lisboa: Relógio d’Água. 2.ª edição.
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"Nunca olhes para os bordos de um texto.
Tens que começar numa palavra. Numa palavra qualquer se conta.
Mas, no ponto-voraz, surgem fugazes as imagens.
Também lhes chamo figuras. Não ligues excessivamente ao sentido.
A maior parte das vezes é impostura da língua. (…) O indizível é feito de mim mesma, Gabi, agarrada ao silêncio que elas representam.”


Maria Gabriela Llansol
Um Beijo Dado Mais Tarde. 1990. Lisboa: Rolim.
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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Um texto

"O meu texto não avança por desenvolvimentos temáticos, nem por enredo, mas segue o fio que liga as diferentes cenas de fulgor. Há assim unidade, mesmo se aparentemente não há lógica, porque eu não sei antecipadamente o que cada cena contém. O seu núcleo pode ser uma imagem, ou um pensamento, ou um sentimento intensamente afectivo, um diálogo."
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LLANSOL, Maria Gabriela: Um falcão no punho (1985); 2.ª edição - 1998; pp. 130-131; Lisboa; Relógio d'água.